Por Amanda Borba
Fazer nascer um filho foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na vida. E perceba que eu não usei o verbo gestar. A gestação com a conotação estritamente biológica não dá conta de explicar o que é ver um filho nascer, pois o nascimento de uma cria não tem a ver com carregá-lo no corpo e fazê-lo carne da nossa carne, sangue do nosso sangue, até o momento de parir. Tem gente que olha uma criança já viva nos olhos e experimenta a catarse de um parto que já acontecia extrauterinamente, como se o mundo o tivesse preparando para que ali se desse à luz. Todas essas mães que não tiveram barriga certamente viveram a dificuldade que é fazer nascer a sua cria. Todas essas crias são genuinamente verdadeiras.
Falar de um filho que nasce é necessariamente falar de uma mulher que morre em nós, cujo passado é tão distante que a gente se olha no espelho e não a reconhece mais. Que a gente entende que ela existiu, sem dúvida, mas que é como visitar um álbum de retratos meio desbotados toda vez que forçamos a memória. No lugar dessa mulher que ficou para trás, surge uma outra, que não é necessariamente mais forte – como a epopeia romântica da maternidade quer pintar –, mas certamente diferente. Compartilho esse ponto de vista com todas as mães com quem eu conversei na vida, inclusive a minha.
Para fazer nascer um filho, um trabalho maior acontece dentro da gente. Um trabalho tão imenso que merece um outro texto só para falar dele. Mas que, em resumo, é permitir que ecloda em nós uma revolução que, aparentemente, não tem fim. É por isso que é preciso muito cuidado para se falar sobre a maternagem de alguém, pois, sem querer, você pode tocar em uma parte muito delicada, pessoal e extremamente íntima de uma pessoa. E é nesse lugar que, para mim, também se encontra a amamentação.
Por isso mesmo que repensei muitas vezes esse texto e resolvi começá-lo com uma grande introdução sobre o que, para mim, representa ser mãe: meu filho nasceu quando eu renasci. Isso nunca teve a ver com útero, tipo de parto ou de aleitamento. Justamente por entender a maternidade dessa forma é que eu não queria fazer um texto militante pró-amamentação em comemoração ao Agosto Dourado. A meu ver, esse mês precisa ser um período que lança luz ao tema como um assunto de saúde pública, um assunto político e coletivo, que deveria desenterrar pautas como: extensão da licença maternidade, leis trabalhistas, a solidão do puerpério, carga mental e escolhas femininas. Em suma, uma grande discussão sobre desigualdade de gênero.
E com isso eu não quero dizer que a amamentação não deve ser estimulada. De forma alguma. O leite materno é, sim, o melhor alimento para um bebê, e inúmeras campanhas já se ocupam de orientar as mães nesse sentido. O meu desejo, aqui, não é me estender falando ainda mais sobre livre demanda até os 2 anos ou mais – conforme orientado pela Organização Mundial de Saúde –, mas é convocá-los a refletir sobre por que tantas mães apontam a amamentação como um dos maiores desafios da maternidade se a agalactia (falta de leite) é uma condição tão rara entre as mulheres. E mais: vamos pensar em quanto dessa dificuldade não tem a ver com falta de apoio familiar e da sociedade?
Há um papo bem complexo que adiamos há muito tempo; ele pode ser resumido na seguinte frase: “uma criança é responsabilidade de todos”. Estamos preparados para discutir sobre isso? Ao votar, você pensa em todas as bandeiras que levanta a respeito da maternidade? Pensa no espaço que a mulher tem no mercado de trabalho quando se torna mãe? Você, homem, compreende verdadeiramente e ativamente o seu papel de pai que cria?
Por tudo isso, eu não consigo pensar na amamentação, sem que ela esteja sob o guarda-chuva de escolhas conscientes da mãe – mesmo tendo a certeza da importância do leite materno para a criança. Pois se é ela quem vai precisar equilibrar os pratos para conciliar vida pessoal com profissional e materna – para sermos reducionistas –, não há espaço para julgamentos nem olhares de esguelha.
E por último, mas não menos importante: amamentar é uma das milhares e potentes formas de atuação do amor materno; em hipótese alguma, a única.
*Amanda Borba é jornalista, mãe de Francisco, de 4 anos. Amamentou o filho em livre demanda até os 3 anos e entende a amamentação como uma pauta política, coletiva e de saúde pública.
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