Por Juliana Aguiar
As caixas, os suportes e os óculos de sol se acumulam na sala da casa onde mora o vendedor Edvaldo Gomes, no Ibura, Zona Sul do Recife. Há quase um mês sem poder ir à Avenida Conde da Boa Vista, uma das principais vias do Recife, para vender os produtos por determinação da Prefeitura e do Governo de Pernambuco, o trabalhador amarga um estoque não comercializado, o isolamento social e a chegada de novas contas para pagar. “Eu saía de casa às 8h e chegava em casa às 20h. Passava o dia trabalhando, mas agora a minha rotina é ficar preso dentro de casa. Para quem pode trabalhar em casa é bom, né? Que sabe que tem dinheiro no final do mês. E a gente? Cada dia fora de casa é um dia a menos de dinheiro”, afirma Edvaldo, 42 anos, que é também o presidente do Sindicato dos Ambulantes do Recife. “Tá muito difícil para mim e tem gente que está em uma situação ainda pior. Nós, do camelô, não temos renda fixa, o povo que tinha dinheiro guardado já não tem mais. Podia usar pra investir em mais produtos, como a gente sempre faz, mas como não pode vender, seria mais prejuízo”, diz. De acordo com o vendedor, já tem trabalhador informal sofrendo com falta de comida em casa. "Tem camelô que tá vivendo de água e sal porque não tem mais nada pra comer”, contou. As medidas preventivas para frear a disseminação do vírus têm impacto direto na economia, principalmente dos trabalhadores informais. Após decisão do Congresso, o Governo Federal concedeu um Auxílio Emergencial de R$ 600 para quem não tem um trabalho formal.
"Não dá pra contar só com esse dinheiro do Governo Federal, o nosso estado e município precisa fazer alguma coisa por nós"
Já foram contemplados com o Auxílio, o primeiro grupo, destinado a pessoas que recebem o Bolsa Família. Entre o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial, será creditado o benefício de maior valor, para todos que tiverem direito. Em seguida, foram beneficiados os inscritos no Cadastro Único, incluindo o grupo de mulheres chefes de família, que poderão ter direito a R$ 1,2 mil. O próximo grupo a receber são os demais inscritos através do aplicativo ou do site do programa. A Caixa Econômica Federal informou que até a terça-feira (14) já tinham sido pagos R$ 2,1 bilhão em auxílio emergencial para 3,3 milhões de brasileiros. Nesta semana, até sexta-feira (17), serão pagos cerca de R$ 4,7 bilhões para 9,4 milhões de beneficiários.
No entanto, de acordo com Edvaldo que reunia uma renda mensal entre R$ 1,5 mil e 2 mil, sobreviver com os R$ 600 do Auxílio Emergencial é impraticável. "A gente tem aluguel, comida e contas para pagar", pontua o ambulante que apesar de morar só ainda paga uma pensão para a filha mais nova e ajuda no orçamento familiar de mais três filhos. "Não dá pra contar só com esse dinheiro do Governo Federal, o nosso estado e município precisa fazer alguma coisa por nós", pede.
Se a situação não melhorar, Edvaldo confessa que se sente obrigado a retornar às ruas. "Estamos querendo voltar ao trabalho. Abrir os nossos comércios normalmente, assim como os ambulantes das feiras de frutas e verduras. Até agora, no recife, nenhum camelô foi infectado com coronavírus. A gente tem que enfrentar essa doença. Vai morrer de fome é? Deixar a geladeira vazia? Não dá". Quando questionado se tinha medo de não ter compradores, Edvaldo responde com segurança. “Se tiver comércio, as pessoas vão para as ruas. E aí nós conseguimos tirar o nosso. Simples”.
Mães solo sentem impactos ainda maiores
Já a vendedora de acessórios para celular Nikelle Souza, de 28 anos, teme o retorno ao trabalho por expor a família ao contágio do vírus. “Tenho vontade de trabalhar, mas tenho o medo de ir para o meio da rua nesta situação. A doença está afetando todo mundo todos os dias, ir pra rua, pegar a doença e passar para a sua família é um risco”, diz a trabalhadora, que mora só com filho de 10 anos em Jardim São Paulo, Zona Oeste do Recife. Agora, isolada e sem perspectiva de retorno ao trabalho, Nikelle deixa de lado a rotina de 12 horas dedicadas ao comércio informal em um ponto na Avenida Conde da Boa Vista, onde trabalha diariamente das 9h às 21h. “Não está sendo nada fácil. Eu trabalho com dinheiro todos os dias, então sou depende diretamente e eu só recebo quando trabalho. Todo dia, antes dessa doença, eu voltava para casa com alguma comida para colocar na geladeira. É vendendo mercadoria e comprando comida para casa", relata
A evasão dos compradores e fechamento do comércio impacta diretamente na economia familiar dos trabalhadores. "Juntei todo dinheiro que tinha no começo disso tudo e fiz uma feira, mas e quando acabar? Também ajudo minha mãe nas despesas dela. É desesperador", argumenta Nikelle. Para a vendedora, que costuma receber R$ 2 mil por mês, o dinheiro que receberá com o Auxílio Emergencial não será suficiente para pagar todos os custos. A gente está parado e não pode reclamar do que vem pra ajudar, mas não é o dinheiro que eu ganharia e não vou como complementar o dinheiro nesses tempos”, explica.
A situação da vendedora revela ainda mais uma problemática que é também realidade para muitas mulheres brasileiras. Mãe solo, Nikelle precisa se desdobrar para manter em dia os cuidados da casa, a atenção ao filho e o gerenciar os gastos que se acumulam frente a escassez de recursos. "Não é só não poder trabalhar e não ter dinheiro para mim, é ter um filho, ter ainda mais obrigações e não saber como serão os próximos dias". E faz um apelo aos gestores estaduais e municipais que estudem a possibilidade de fornecer um outro auxílio. "Toda ajuda será bem vinda", salienta.
O álcool em gel como alternativa
Os primeiros casos de coronavírus em Pernambuco foram registrados no dia 12 de março. Desde então, a população têm optado, quando pode, por ficar em casa. Com o vazio de carros e diminuição do fluxo de pessoas nas ruas do Recife, José Francisco*, de 57 anos, sofreu o impacto direto nas vendas dos produtos que comercializa na Rua das Calçadas, no bairro de Santo Antônio. Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, a venda do álcool gel surgiu como alternativa a esse nicho de consumo. “Um conhecido fazia em casa, eu pegava e levava pra vender. Cobrava R$ 8 e R$ 15, dependendo do tamanho. Mas não deu por muito tempo, a fiscalização caiu em cima dizendo que tem que ter a autorização… Aí parei, não quero problema não”, conta.
Para Francisco, o mais difícil é encontrar alternativas que substituam a renda mensal. Ele será beneficiado com os R$ 600 do auxílio emergencial do Governo Federal, mas confessa que o dinheiro não é suficiente para se manter ao longo do mês. “Tenho contas para pagar, aluguel, comida, essas coisas, e esse dinheiro não dá. Não é nem um salário mínimo", pontua. Todos entrevistados destacaram ainda, que, com o trabalho informal, atingem uma renda mensal média de R$ 1,5 mil, superior a um salário mínimo.
O que diz a política institucional
Para a codeputada estadual titular pelo mandato coletivo Juntas, Jô Cavalcanti, a venda do álcool gel é como uma última tentativa de retorno financeiro, mas pode acabar criminalizando o ambulante. “Alguns trabalhadores tentaram buscar uma saída no início vendendo álcool gel, sem autorização da Anvisa, mas o risco é grande de ter a mercadoria suspensa, receber multa ou até ser preso. E isso acaba criminalizando o ambulante que está tentando ajudar a população". De acordo com a parlamentar, a relação entre voltar a trabalhar nas ruas ou ficar em casa sem comida para se proteger da Covid-19 é uma luta sobre como escolher do que morrer. “Se as pessoas não estão nas ruas comprando, automaticamente as rendas dos ambulantes caem. Foi assim logo na primeira semana em que as pessoas se isolaram e isso afetou em 80% o bolso do trabalhador. Agora, todos em casa, a situação é bem preocupante, os poderes públicos estaduais e municipais não têm uma posição. Por outro lado tem a ordem de ficar de casa, mas eles não podem porque o sustento vem das ruas", explica.
“Alguns trabalhadores tentaram buscar uma saída no início vendendo álcool gel, sem autorização da Anvisa, mas o risco é grande de ter a mercadoria suspensa, receber multa ou até ser preso.”
Segundo Jô Cavalcanti, são necessárias medidas urgentes de apoio à classe. "Entrei em contato com a Prefeitura para saber qual a estratégia para solucionar essa questão dos ambulantes, me dizem que vão propor medidas e me pedem para aguardar. Estamos estudando projetos, pedindo informações e cobrando a elaboração de ações em prol desses trabalhadores", pontua. A parlamentar sugere, ainda, estender a doação para os trabalhadores informais dos kits de alimentação e higiene que estão sendo entregues para os estudantes de escolas municipais. Se o importante é não propagar o vírus, é preciso cuidar da saúde deles", destaca.
O Sindicato Estadual dos Ambulantes afirma que com o agravamento da crise econômica nos últimos anos, não há mais condições de estimar o número de profissionais que atuam hoje na informalidade no Estado, mas deve ser superior a 40% da população. Em nota, Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego e Qualificação, disse estar estudando soluções para a questão dos ambulantes, em conjunto com representantes da sociedade civil e sindicato da categoria. Uma das sugestões é que seja analisada a criação de um salário social que beneficie esse setor, cadastrando as pessoas pelo número do NIS. Assim, será possível contabilizar o contingente de trabalhadores ambulantes estimado. O sindicato também propôs que a Compesa – Companhia Pernambucana de Águas e Esgoto – e a Celpe – Companhia Energética de Pernambuco – estudassem a possibilidade de conceder anistia aos que viessem a ser cadastrados pelo NIS.
“A proposta de criação de um salário social, portanto, implicaria em despesas para o cofre estadual, o que precisa ser avaliado junto ao setor financeiro para que o governo não incorra em descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal”, informou o comunicado. Ainda segundo a nota, o Governo Federal ainda não fez qualquer repasse de verbas para esse segmento no Estado.
*O nome do entrevistado foi alterado para preservar a identidade
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