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Corte de gastos na UFOB atinge diretamente assistência estudantil

Reportagem: Juliana Aguiar

Arte: Iasmin Vieira

Equilibrando a rotina acadêmica com a venda de salgados fritos e assados dentro do campus da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), a estudante Evellyn Rocha ingressou no ensino superior aos 18 anos. Para complementar a renda familiar, o comércio informal permeou a sua caminhada na instituição até a chegada da pandemia do novo coronavírus, que impossibilitou as vendas. Apesar de 88,9% do corpo discente pertencer à famílias em situação de baixa renda*, o caos sanitário não impediu o corte de gastos no auxílio financiado pelo Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) que garante a permanência de ¼ dos estudantes na instituição.


"Há um abismo social. Depois de comprovar a necessidade e constatar que precisam do auxílio para manter os estudos, vem a diminuição nos repasses e o estudante é deixado como um pedaço qualquer da Universidade, principalmente em um momento como este", relata Evellyn Rocha, atualmente com 22 anos. Ela é estudante de nutrição e recebia um auxílio mensal de R$ 423 que, após o início da pandemia, passou a ser R$ 350. Evellyn é uma dos 1.099 alunos da instituição que pertencem a famílias com renda de até no máximo 1,5 salários mínimos e, para manter os estudos, dependem diretamente do auxílio do PNAES. Filha de mãe solo, a estudante recorreu ao auxílio desde o início do curso, em 2017, para manter sua frequência nas aulas, principalmente porque está inscrita em um curso integral, que inviabiliza a possibilidade de trabalhar e contribuir no sustento da casa.


"Nos encontramos afastados dos grandes centros urbanos do estado, então há uma demanda muito alta de auxílio de permanência em ambiente acadêmico. Além de que os valores das bolsas de assistência são baixos e muitas vezes acaba sendo insuficiente para o aluno, acarretando na busca por trabalho para complementar a renda, o que pode acabar levando o estudante ao esgotamento. É muito complicado o que eu vejo atualmente. O que a gente vê é que o governo não olha para o estudante como futuro do país, só vê como gasto que pode ser diminuído ou descartado. O estudante acaba pagando por estudar, e não só de forma financeira. A UFOB é uma recém nascida que está sendo sucateada. O governo não vai investir nem tão cedo. Educação se tornou uma mercadoria", frisa.



A assistência estudantil vem enfrentando queda no investimento ao longo dos últimos quatro anos, deixando de acompanhar o ritmo de ingresso e renovação de matrículas dos discentes. Neste ano, diante da pandemia, a UFOB sofreu um novo corte de 19,8% no programa, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 em relação ao ano passado.


O feito desaguou em uma redução significativa na qualidade de vida dos alunos inscritos no PNAES da instituição, um agravamento no cenário de cortes e contingenciamentos orçamentários que já vêm ocorrendo nos últimos anos. Os alunos também vêm sofrendo com o atraso no pagamento de suas bolsas. De acordo com o informe veiculado pela reitoria da Universidade, no início de janeiro foi tomada a decisão de priorizar o pagamento de auxílios estudantis e bolsas dos programas institucionais, a fim de amenizar o impacto na comunidade. Porém, mesmo assim, devido ao calendário de liberação de créditos pelo governo, os pagamentos referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março ocorreram com atraso e todos os procedimentos de abertura de processo de pagamento pela universidade já foram realizados para o mês de abril. No entanto, até o momento, não há créditos orçamentários e financeiros disponíveis para a sua efetivação.


Vale ressaltar que os recursos do PNAES não são suficientes para assegurar a permanência dos estudantes, a sua complementação vem de recursos do custeio - que sofrem redução anualmente e não estão sendo repassados na proporção mínima prevista para 2021. A indisponibilidade de recursos financeiros vêm afetando não só o pagamento de auxílios estudantis e bolsas de programas institucionais, mas também contratos de serviços da UFOB.

Criado em 2008, o Pnaes tem o objetivo de viabilizar a igualdade de oportunidades entre todos os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico, a partir de medidas que buscam combater situações de repetência e evasão, oferecendo assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico. As ações são executadas pela própria instituição de ensino, que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento do programa. Os critérios de seleção dos estudantes levam em conta o perfil socioeconômico dos alunos, além de critérios estabelecidos de acordo com a realidade de cada instituição. A estudante Evellyn, que já integrou diretor acadêmico e colegiados do curso de nutrição, defende a importância da localização da universidade no interior do estado como ferramenta essencial para democratizar o acesso à educação, a fim de melhorar tanto na questão de tecnologia e fundamentar o pensamento científico.


"O meio acadêmico é muito elitista, então a interiorização traz uma realidade palpável de mudança não só de melhorias para a região, mas por modificar o pensamento de quem passa pela universidade e promover a entrada no mercado de trabalho, um sonho que passa a ser palpável para milhares de estudantes", frisa, e completa: "Não tenho condições e nem suporte financeiro para me deslocar, mudar de cidade e fazer faculdade em outro local. Se não existisse a UFOB, muito provavelmente eu não faria um curso superior".


O estudante Luan Rocha, graduando em física, também foi afetado de forma inesperada pelo corte no valor das bolsas e relata dificuldades no acesso à materiais de estudo da universidade. "Apesar da boa estrutura, muitas coisas que precisamos fazer ali saem do nosso bolso, como impressões e materiais para experimentos. É bem desgastante", conta o discente, que completa: a locomoção também é cansativa. Eu fazia estágio em uma escola no município de Barreiras, a uma distância de 6km do campus onde eu estudo e acabava tendo que pegar quatro ônibus todos os dias".


Luan também lamenta a falta de motivação por parte da instituição. "No meu curso, uma das maiores dificuldades está relacionado com a falta de motivação por parte da Universidade e a distribuição de bolsas, acho a quantidade e os valores precários, causando uma desvalorização absurda". Para o estudante de direito Anderson Barbosa, fica evidente que os maiores desafios enfrentados na UFOB são de manutenção e infraestrutura, principalmente manutenção porque a maioria dos estudantes são de famílias de baixa renda e expectativa socioeconômica pobres, que dependem de política de governo para se manter.


"Eu integro PNAES e dependo 90% desse programa, sem ele eu não estaria aqui. É o único caminho para fazer ensino superior público. Já fui bolsista PIBIC em 2018 e 2019 e vislumbro mestrado e doutorado, espero ter oportunidade de fazer e receber bolsa, mas não há previsão orçamentária diante desses cortes. Eu espero que isso possa ser retomado ao longo dos anos porque precisamos de investimento", torce Anderson, que realiza uma participação política na UFOB, tendo trabalhado na criação do Diretório Central dos Estudantes (DCE), onde atuou como diretor jurídico e hoje em dia integra o conselho universitário (Conuni), representando o corpo discente.


As bolsas de pesquisa também foram severamente afetadas pelo corte de gastos na universidade, principalmente de 2019 para este ano. Em dois anos, a CAPES reduziu em 80% as bolsas para mestrado e doutorado na instituição. Em 2019, foram R$ 91,5 mil destinados ao incentivo de pesquisa na pós-graduação e em 2021 o repasse caiu para R$ 18 mil.



Anderson destaca, ainda, a dificuldade de manter os estudantes em uma matriz PNAES defasada, que não se atualiza há anos. De 2017 para 2021, a verba caiu de R$ 4,479 milhões para R$ 3,825 milhões. "O mais preocupante é o achatamento porque a gente percebe que o número de estudantes vem aumentando já que a UFOB ainda está em um processo de consolidação e as bolsas disponíveis não acompanham a demanda crescente".


O estudante ainda atenta à questão de investimentos, que vem sofrendo cortes bruscos anualmente, e defende que a universidade a importância de destinar recursos para a área de saúde, pesquisa e parte técnica. "É essencial para salvar vidas, para trazer segurança para a comunidade, e isso afeta diretamente na manutenção. Temo que o cenário se agrave com o retorno presencial, tendo em vista que os recursos hoje em dia são muito menores que tínhamos antes", explica.



Atual cenário


O vice-reitor da UFOB, Antônio Oliveira, reitera que a verba destinada ao PNAES não é suficiente para pagar todos os alunos inscritos no programa de assistência. "Muitos estudantes dependem da renda estudantil para se manter, essa é a nossa maior dificuldade. Para que todos os inscritos recebam, precisamos completar com a verba destinada ao custeio da universidade", conta Antônio, que assumiu a gestão ao lado do reitor Jacques Miranda em setembro de 2019, após primeira eleição com consulta popular. Abrindo um panorama geral, o vice-reitor revela que, ao longo do ano, a verba do PNAES atinge o pagamento por oito meses e os quatro meses restantes são retirados da verba de custeio da Universidade.


No contexto da redução, Antônio explica que não houve corte na distribuição de bolsas PNAES, todas foram preservadas, mas que foi preciso fazer uma diminuição no valor que cada estudante recebia. "Neste início do ano, ninguém saiu de dentro da assistência. Há um serviço social que acompanha de perto, suspende para que os estudantes regularizem, às vezes acham que perderam a bolsa, mas não foi", explica.


O vice-reitor salienta que a vulnerabilidade social dos discentes é altíssima. "R$ 50 ou R$ 100 fazem muita diferença. Com as atividades remotas desde o ano passado, os estudantes têm tido gasto com internet, alimentação e aluguel, e não podem contar com o Restaurante Universitário, que está fechado", conta.

A instituição perdeu quase metade do investimento nos últimos cinco anos e, em 2021, a universidade recebeu um novo corte orçamentário de mais de 20%. A falta de investimento dificulta também a capacidade de oferecer cursos, viagens e formações. "Infelizmente foi preciso repassar esses cortes para os estudantes. Fizemos o máximo e não eliminamos estudantes do plano de assistência, em todas as categorias tiramos 17,5% de acordo com os cortes. "Em agosto do ano passado, falavam que a universidade ia receber corte linear em todas as áreas de mais de 18%. Para nossa surpresa, pediram mais um corte de 6%. Foi difícil. E é desgastante, até para escolher e convencer as pessoas do que é preciso cortar. É um impacto muito negativo que afeta nosso maior bem que é a educação", pontua o vice-reitor. Em 2021, está prevista a matrícula de 1.265 estudantes de graduação, um contingente semelhante ao do ano passado, quando entraram 1.034 alunos. "O que preocupa é que ao invés de ampliar, os recursos estão diminuindo", lamenta.


A despesa de pessoal é o maior gasto da universidade, que vem aumentando a cada dia com a ampliação do quadro. Ao passo que os valores destinados à manutenção equipamentos de informática, laboratórios, livros, armazenamento de dados, tem caído drasticamente. Apesar do cenário de vulnerabilidade, Antônio evidencia que o menor gasto é com o plano nacional de assistência estudantil e, para que seja efetuado em sua totalidade, precisa subtrair dos recursos de custeio da instituição, usualmente destinados a energia, água e contratos de pessoal terceirizado. Com os cortes, os programas de iniciação científica da Capes, CNPq não sofreram modificação, mas as bolsas de pesquisa, extensão, da universidade - tiveram diminuição no valor porque estavam atreladas ao custeio.


A criação de uma rede de ensino no interior do estado significou acesso de ensino para quem não tinha condições de ir mais longe para estudar. "Foi uma quebra de paradigmas. Essa expansão começou a ganhar força dos anos 2000 para cá e no caso da UFOB chegou às cidades pequenas possibilitando o desenvolvimento das regiões. Os estudantes recém-formados vão ser incorporados como mão de obra, movimentando a economia da região, setor imobiliário, alimentício… e com isso o capital humano da cidade vai melhorando".


Ele acredita que a difusão dos campi também é um fator positivo para o fortalecimento do ensino público no interior do Nordeste. "Abre para mais pessoas de baixas condições financeiras. Esse ganho não tem quem pague. É extremamente positivo", defende. Para além da interiorização, Antônio entende que há uma dificuldade maior de atrair recursos por ser uma universidade recente. "A universidade ainda não está estabelecida, e com a suspensão do funcionamento durante a pandemia, isso impacta toda uma cadeia de negócios da cidade, não apenas a universidade. Quando você tem uma universidade consolidada, com vários programas, cursos de graduação e pós, diplomações, grande quantidade de alunos, facilita a captação de recursos. A falta de pioneirismo também atrapalha na captação de investimentos público/privado", esclarece.


Para ajudar na situação, o vice-reitor protocolou com os reitores das universidades baianas e institutos proposta para conseguir emendas para custeio por meio da bancada baiana na Câmara dos Deputados. "Se esse reforço sair, seria 10% de R$ 15 milhões, aproximadamente 1,5 milhão para a universidade custear ações como PNAES e demais programas de pesquisas que sofreram reduções", adianta. Até o fim da reportagem, o parecer ainda será julgado pela comissão responsável. A expectativa, no entanto, é positiva.



A UFOB

Inaugurada em 2013, a UFOB é fruto de um desmembramento do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (ICADS) da Universidade Federal da Bahia, iniciado em 2006. Tem sede em Barreiras, a 800km da capital baiana, e possui outros quatro campi: Centro de Barra, Bom Jesus da Lapa, Luís Eduardo Magalhães e Santa Maria da Vitória, oferecendo 30 cursos de graduação e 14 de pós-graduação. A universidade é resultado do projeto de expansão da educação superior, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado pelo Governo Federal em 2003.


"Somos resultado do pós-Reuni. Tivemos uma dificuldade muito grande nos investimentos. Não existe receita de bolo para se criar uma instituição, tudo era prioridade. E não tivemos os recursos necessários para criar os campi da UFOB. Mas, apesar disso, até 2020, enquanto era pró-reitor, nosso orçamento sempre vinha sendo mantido", explica o professor Poty Rodrigues de Lucena, que atuou no processo de implementação da UFOB e depois assumiu o cargo pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional da universidade.

"A universidade é um projeto de desenvolvido social e o processo de criação de qualquer coisa é político, gira em outra rotação. Em 2008, diante da crise financeira mundial, era uma resistência sonhar com a UFOB. Em meados de 2013 conseguimos a aprovação, mas o governo já não tinha fôlego para uma nova universidade. Talvez o Reuni e o Ciência sem Fronteira tenham sido as últimas jornadas de investimento na educação do país", analisa. "Lutamos todos os anos para ter custeio e investimento e fizemos nossa parte, todo orçamento liberado foi executado". De acordo com a professora Iracema Veloso, que foi escolhida para assumir a gestão da UFOB como reitora Pro Tempore entre 2013 e 2019, a criação da universidade foi um desafio. "Assumi o trabalho de implantação, na época, com 960 estudantes. Começamos a trabalhar no mesmo ritmo em que a universidade foi sendo montada, em uma equipe formada por docentes", relata.


Eram muitos problemas para administrar com o recurso estreito na implementação. "Não tínhamos recurso para tudo e ainda tem muito a ser feito como, por exemplo, equipar os laboratórios. Tínhamos questões orçamentárias delicadas, pegamos muito contingenciamento, é muita luta, mas trouxemos um volume de investimento grande para a região. Foram muitas reformas, licitações. Tínhamos problema de falta de estrutura, rede de internet, logística entre os campi, fixação de docente, sem falar dos marcos regulatórios. Organizamos tudo em 180 dias", revela. Os primeiros cursos de graduação que abriram as portas da Universidade foram: Ciências Agrárias, Engenharias Elétrica e Mecânica, Artes Visuais, Publicidade, História, Enfermagem e Medicina, que formou a sua primeira turma no ano passado.


Além do vestibular inaugural que conferiu o ingresso dos estudantes no segundo semestre de 2014, no mesmo período também foi realizado o primeiro concurso de servidores para compor o quadro. Até então, os funcionários que atuavam no local tinham sido transferidos do ICAD.


A professora lembra que nos primeiros meses de funcionamento, os estudantes fizeram um movimento de ocupação na sede por quase 30 dias no intuito de conseguir ampliar o corpo docente e atrair melhorias estruturais. "Um mês depois fizemos um acordo com os estudantes, assumimos um compromisso e recebemos apoio dos professores da escola politécnica da UFBA, assim conseguimos equacionar o desafio imenso de manter uma universidade multicampi no interior do estado", lembra.


Um problema, entretanto, foi identificado no primeiro processo seletivo. Dos aprovados no certame, só um morador do Oeste Baiano garantiu uma vaga no curso de medicina. Para conferir a presença majoritária dos estudantes da região, em 2016 a Universidade aprovou um critério de inclusão regional, conferindo um acréscimo de 20% nas notas dos estudantes de 80 municípios que estivessem a 150km dos cinco campi e que tivessem cursado o Ensino Médio na rede pública. Com isso, naquele ano, o cenário reverteu bruscamente e 86,5% das vagas foram ocupadas por moradores da região e 54% deles moradores da zona rural. Em 2018, foi aprovado um novo critério, em vigor até a atualidade: uma reserva de vagas de 60% entre as 50% destinadas para cotistas.

Para Iracema, o objetivo da implantação da UFOB é ampliar o acesso aos estudantes da região e fomentar a economia local, por isso é importante a participação da população no meio acadêmico. "Não tem sentido ser uma universidade no Oeste da Bahia e os estudantes da região não estarem inscritos nos cursos. A grande conquista da interiorização foi aproximar os estudantes dos municípios do entorno ao meio acadêmico e garantir que tivessem acesso às possibilidades de ensino, pesquisa e extensão, e assim formar profissionais para dar continuidade ao desenvolvimento da região", explica.


A UFOB realiza, ainda, projetos para estimular os adolescentes da comunidade a vivenciar o cotidiano da universidade e se preparar para o processo seletivo nos próximos anos. Entre as atividades, a instituição oferece um núcleo de estímulo à prática da produção de texto em língua portuguesa e teórica de filosofia e história das ciências.



*Balanço divulgado Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2018

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