Coluna por Eduarda Nunes
Já está todo mundo feito doido aos sons dos clarins de momo, muito Latão 3 por 10 e axé na
mente. Festivais, prévias e mais prévias comendo no centro e nas periferias a semana quase
toda. Ele chegou, o Carnaval delas, deles e de todo mundo que quiser! É tempo de fantasiar a vida temporariamente e abandonar algumas regras sociais que não permitem que a gente beba cerveja às 9h da manhã de uma segunda-feira, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo em que experimentamos um momento de muita folia, experienciamos também uma intensificação do controle dos nossos corpos típico a essa época do ano.
Como os corpos negros e periféricos são cotidianamente pintados pelo racismo institucional
como os perigosos e que precisam ser controlados, o alvo que trazemos nas costas ganha,
temporariamente, um adorno glitterizado que pode ser fatal. As pessoas se sentem muito mais
à vontade para zombar, discriminar, exotificar e ridicularizar homens e mulheres negras, e não-
brancos em geral, e a polícia parece receber um aval a mais para uso de força desproporcional
sob os corpos periféricos. Basta analisar o comportamento dos praças nos blocos que
acontecem em bairros de classe média e em bairros de menos prestígio social.
Não raro, presenciamos confusões que são causadas pelos próprios policiais nos grandes
blocos de trios elétricos que arrastam milhares de pessoas em bairros como Casa Amarela,
Torrões e Mustardinha. A quantidade de viaturas que acompanham causam espanto e um
sentimento de “pra quê isso?” muito grande. O reforço bélico é gritante e agressivo, enquanto
que em bairros como Casa Forte, por exemplo, aos foliões é promovida a segurança e a
tranquilidade que todos deveríamos ter.
Outro exemplo muito prático de como o racismo institucional também faz festa nesse período
são os “saiyajins”, tradicionais entre a galera de comunidade. Geralmente homens negros (do
mais claro ao mais escuro), cabelo crespo curtinho descolorido e não matizado: antes eram
socialmente mais mal vistos, e não que hoje não sejam, mas caíram nas graças de uma outra
galera com prestígio (a classe média). Agora, vai chegando janeiro e todo mundo quer ser
maloqueiro e descolorir o cabelo pro Carnaval. Entretanto, no meio da multidão, a gente sabe
quem é visado de meliante e quem é folião. Quem são paradas para levar baculejo seguem
sendo as mesmas pessoas.
Não por isso que a população preta e periférica vai abandonar seus símbolos. Por mais que
nossos corpos fiquem mais vulneráveis, não é a repressão que dita como vamos nos
manifestar porque nossos impulsos vem de ordem subjetiva, do sentimento de pertencimento
e bem estar. Mesmo assim, é doido pensar que mesmo em tempos em que regram a
liberdade, a alegria e as brincadeiras, o racismo não dá trégua. Ficamos, inclusive, mais
expostos a ataques verbais, físicos e, como se não bastasse, visuais mesmo pelo ar de
libertinagem que paira nessa época.
Carnaval é massa, muito plural e dá para curtir de várias formas. Mas é importante que nossas
subjetividades que indiquem as formas que vamos fazer isso, não fatores externos negativos.
Falar sobre isso é falar sobre o direito à cidade e a questões básicas que o racismo cércea o povo preto e periférico todos os dias. Nada que a gente não saiba que role, mas é uma questão
importante de ser delineada.
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