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Marcada pela política de cortes, UFCA perde 84% das bolsas da Capes em quatro anos

Reportagem: Luane Ferraz

Ilustração: Iasmim Vieira

As trajetórias das universidades públicas espalhadas pelo interior do Nordeste se atravessam. Seja pelas semelhanças a partir dos seus surgimentos e expansões ou pelos cenários de resistência de quem as faz. Com a Universidade Federal do Cariri (UFCA), localizada na região metropolitana do Cariri, não foi diferente. A sua história começa a 513 km dali, na capital Fortaleza, dentro dos muros da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde os impactos positivos da educação já ganhavam algumas gerações. Para entender o ponto de partida dessa transformação, é preciso antes compreender a divisão geográfica do local. A Região Metropolitana do Cariri, também conhecida como Crajubar, é formada por três principais municípios: Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha. Durante onze anos, a UFCA funcionou como uma unidade acadêmica da UFC. A sua estrutura só começou a ser projetada em 2001, com a inauguração do curso de medicina, no município de Barbalha. Em 2006, houve a primeira expansão através da adoção de cinco novos cursos, e finalmente, em 2008 e 2010, os campus físicos em Juazeiro do Norte e Crato também foram inaugurados.


O desmembramento e autonomia da UFCA no triângulo crajubar aconteceu apenas 3 anos depois, em 2013. A conquista, no entanto, custou caro. Desde 2015, a UFCA apresenta queda no orçamento discricionário. Naquele ano, ainda no governo Dilma, a universidade recebeu R$ 39. 397.462 e no ano seguinte caiu para R$ 34.901.631, representando uma queda 11,41% nos investimentos. Apenas em 2019, a instituição teve um aumento nos seus investimentos, com R$ 39.528.768, segundo a ANDIFES.

No governo Bolsonaro, a UFCA passa pelo momento mais difícil. Neste ano, a universidade conta com apenas R$ 23.888.144 de acordo com a Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), representando uma queda de quase 39% em apenas seis anos. Na mira da ciência


Segundo a Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da UFCA, profa. Laura Hévila, ao longo dos anos, a área mais afetada pelos cortes orçamentários é a Pesquisa. “As principais fontes de recursos dos cientistas brasileiros vêm sofrendo cortes. Sem financiamento de bolsa, projetos são abandonados ou são executados pelos pesquisadores sem o mesmo potencial. Isso impacta a formação de grupos de pesquisa competentes, geralmente formados com décadas de esforço nacional.” Os números evidenciam a fala da Pró-reitora. Em quatro anos a UFCA perdeu 84% das bolsas da Capes. Desde 2016, a universidade passou de 239 bolsas para apenas 36.


Quanto às bolsas ofertadas pela Cnpq, dados mostram que os cortes mais recentes somam: 5 (cinco) bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic). 3 (três) delas do Pibic Ensino Médio (que ainda estava em fase de indicação de bolsistas, conforme cronograma vigente em 2019); 2 (duas) delas, bolsas de Pós-graduação e (1) uma, de Pós-Doutorado (PNPD). Dentro desse cenário, a UFCA tem contado com o apoio de agências que incentivam os projetos da instituição, como é o caso da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), órgão vinculado à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece) do Governo do Estado do Ceará. Ao longo dos anos, a Funcap vem disponibilizando editais de Iniciação Científica. Neste ano, já são 24 bolsas concedidas à UFCA, além de duas bolsas de Mestrado. Recentemente, a universidade recebeu aprovação em dois Editais: o Funcap-Capes, onde conquistou 5 bolsas de mestrado e uma de Pós-doutorado, e no Edital 02/2020 do Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa, Estímulo à Interiorização e Inovação Tecnológica (BPI). Neste último, 34 pesquisadores da UFCA submeteram propostas de Pesquisa ao edital. Deles, 18 tiveram suas propostas aprovadas, para implementação imediata. Dentro dos muros da UFCA

Foto: Antônio Rodrigues

Mesmo com uma estrutura física relativamente recente, a UFCA também soma um déficit significativo no desenvolvimento dos seus espaços físicos, observada principalmente pela falta de novos laboratórios e salas de aula, além da ausência de novos equipamentos. No Cariri cearense, abrigam campi as cidades de Juazeiro do Norte (sede), Crato, Barbalha e Brejo Santo. Já no Centro Sul, há o campus Icó. Segundo dados divulgados pela Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento (Proplan) e, analisados pela equipe da Agência Retruco, em seis anos, os investimentos em Manutenção Bens Móveis e Imóveis e Equipamento Médico, Odontológico, Laboratorial ou Hospitalar, cresceu 15,8 e 13,6 vezes, respectivamente. Por outro lado, em quatro anos, os investimentos em Obras caíram 98,71%. Marcos Alexandre, estudante do 11° semestre do curso de medicina, 24 anos, está prestes a se despedir da universidade e levará consigo o sonho de ver pronto a construção do novo ambulatório da Faculdade de Medicina (FAMED), em Barbalha. “O nosso ambulatório atual é velho, não tem uma estrutura boa. As obras iam se iniciar em 2019 e terminar no começo de 2022, mas isso não aconteceu. Ela foi iniciada agora, depois de um longo processo da universidade remanejar orçamento”, conta. A frustração também é reforçada pela professora do curso, Emillie Sampaio. “Além do atraso, depois de construído, nós vamos precisar batalhar bastante para conseguir equipar o ambulatório.” No curso de engenharia, a situação não é diferente. Segundo Ana Cândida, professora do curso desde 2010, a compra de materiais de consumo, como insumos, reagentes, matérias-primas para os laboratórios está praticamente impossível. “Muitas vezes tive que adaptar os procedimentos experimentais ou comprar de meu bolso materiais de consumo para ministrar as aulas de laboratório”, revela. Permanência em risco O cenário de instabilidade orçamentária atravessada pela UFCA, desde a sua origem, gera medo e frustração. Jéssica Alencar, 22 anos, estudante de graduação do curso de Engenharia Civil, relembra o sentimento de incerteza que passou nos anos em que ainda era vestibulanda e sonhava em entrar na UFCA. “Eu passei por alguns momentos de achar que não ia mais ter universidade pública aqui no Cariri. Eu só pensava que eu precisava entrar logo na universidade porque talvez eu fosse a última geração a ter acesso.” Ela, que é a primeira da sua família a alcançar o ensino superior, conta que chegou à universidade cheia de sonhos. “Eu já entrei querendo conseguir uma bolsa, um projeto, participar de um intercâmbio, mas nunca consegui. No máximo, cheguei a ser contemplada com o auxílio de Inclusão Digital, que pra mim foi uma vitória gigante.” Na UFCA, o auxílio Inclusão Digital ocorre desde 2018, mediante a concessão de auxílios anuais. Com a chegada da pandemia no Cariri, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) realocou os recursos que seriam destinados aos RUs e ao Auxílio Transporte para o Programa. Além disso, também recebeu a Emenda Parlamentar Nº 41470012. Essas medidas possibilitaram a ampliação das vagas ofertadas pelo auxílio e a adesão ao projeto Alunos Conectados do MEC, para a disponibilização e monitoramento de chip e pacote de dados. Atualmente, a PRAE oferece os seguintes auxílios: moradia, alimentação, creche, emergencial, transporte, inclusão digital, financeiro a eventos e óculos. O valor disponibilizado pelo Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) cresceu apenas 13% entre 2018 e 2019, o que impactou em quedas de 13% no auxílio alimentação, 3% no auxílio transporte e 2% no auxílio creche. O Programa BIA, por exemplo, que tem como objetivo propiciar condições financeiras para a permanência dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, foi revogado desde 13 de setembro de 2019, por falta de investimentos.

Diante dos cortes, a PRAE implementou o Orçamento Participativo, que permite a participação do corpo discente nas decisões envolvendo as áreas de assistência estudantil em que os recursos do Pnaes devem ser aplicados. “Por meio dessa medida, elaborou-se uma proposta executável para aplicação dos recursos nos programas de assistência. Notadamente, há uma priorização de benefícios essenciais à permanência dos estudantes de graduação na UFCA, como é o caso dos auxílios alimentação, transporte e moradia”, afirma a Pró-Reitora do setor, Ledjane Lima. Cícero Rodrigo, 24 anos, estudante do curso de filosofia, é enfático quanto a necessidade da manutenção das ações de assistência estudantil. “Por mais que o ingresso à universidade seja gratuito, a permanência está comprometida se a gente não receber o subsídio. Os auxílios de hoje não são suficientes, mas existem. A gente precisa lutar pela permanência dos atuais e buscar por mais”. Ele, que está no último período da graduação, foi contemplado ainda no primeiro semestre do curso, com uma bolsa no Programa de Iniciação Acadêmica (BIA), no valor de R$ 400. Além do Auxílio moradia, que permitiu a sua mudança para o perímetro do Crajubar e uma economia de quase 2h de percurso da sua casa até o campus, todos os dias.


“Quem vem de família pobre precisa planejar tudo com antecedência. Assim que passei no vestibular, sabia que tinha que correr atrás de buscar condições para permanecer na universidade. Pensava, se eu não vou ter onde morar, onde comer, como é que eu vou estudar?”

Todos os benefícios entregues pela universidade aos estudantes correm riscos de sofrerem mais cortes. A Andifes anunciou, no último dia 18 de março, que a Assistência Estudantil sofreu uma redução de R$ 20.509.063, além dos R$ 185 milhões cortados quando enviado o Projeto de Lei ao Congresso. "Segundo a Fonaprace, para atender os estudantes vulneráveis, os recursos do Pnaes (Plano Nacional de Assistência Estudantil) teriam de ser de R$ 1,5 bilhão. Já temos evasão porque o recurso é insuficiente. Com 20% a menos do Pnaes, o impacto na evasão é imediato", disse Edward Madureira, presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), em coletiva aos jornalistas.


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