Reportagem: Bruno Vinícius
O estudante Thiago Pedro Gomes, de 21 anos, foi de Limoeiro, no Agreste de Pernambuco, à Campina Grande, no estado vizinho da Paraíba, para ser o primeiro da família a ingressar no ensino superior. Entrou no curso de engenharia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e só permaneceu no espaço acadêmico por causa de moradia e assistência estudantil garantidas por políticas institucionais. O relato dele é semelhante ao de 30% do corpo discente da universidade, que depende de algum tipo de auxílio para concluir os estudos.
O perfil dos estudantes citados acima indica que a UFCG vem cumprindo a função social das Instituições de Ensino Superior (IES) no interior do Nordeste. Fruto do desmembramento do campus da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) de Campina Grande, em 2002, a atual universidade se expandiu para mais seis campi nas cidades de Pombal, Patos, Sousa, Cajazeiras, Cuité e Sumé. São municípios estratégicos localizados no Sertão, Borborema e Agreste Paraibanos, fazendo o papel de capitais descentralizadas no interior do estado.
Apesar da relevância para a Paraíba e estados vizinhos, permitir o acesso de alunos mais pobres e se consolidar como uma das melhores instituições de ensino do Nordeste, a UFCG vem sofrendo duras quedas no orçamento para expansão de ensino, pesquisa, iniciação científica e pós-graduação nos últimos anos. Os cortes começaram no governo Dilma, ainda em 2015, e passaram a intensificar-se durante as gestões de Temer e Bolsonaro, que recentemente anunciou mais uma redução de R$ 1,2 bilhões no orçamento das universidades federais para 2021.
Em apenas cinco anos, a Universidade Federal de Campina Grande sofreu cortes de 43% em recursos do Ministério da Educação (MEC). De acordo com um levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), há uma previsão de destino de R$ 72.640.593 pelo orçamento discricionário da instituição deste ano. Quando se compara com 2010, com os valores corrigidos pela inflação, a UFCG sofreu uma queda de 31% nos repasses. Naquele ano, ela recebia Vale salientar que em 10 anos, ela dobrou a quantidade de cursos de pós-graduação e possui 3 mil alunos a mais, o que necessita de mais recursos para a sua manutenção.
Entendendo os repasses
O orçamento da universidade, em vias simples, é dividido entre os gastos obrigatórios e os gastos discricionários. No primeiro caso, o orçamento não pode ser mexido, mantido por lei, porque se diz respeito aos pagamentos de servidores efetivos e aposentados. Já os discricionários são direcionados às contas de água e de luz, serviços terceirizados, compras de materiais e manutenção de equipamentos, programas próprios das universidades, pesquisas, estrutura, expansão, reformas, investimentos e auxílios aos estudantes.
O modo de distribuição dos recursos mudou significativamente após a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/55, que congelou o teto de gastos para saúde e educação durante 20 anos. A medida foi proposta logo nos primeiros meses do Governo de Michel Temer, em 2016, e começou a impactar no ano seguinte. Antes da PEC, o orçamento discricionário era distribuído acima da inflação e agora ocorre bem abaixo do Índice de preços no consumidor (IPCA), índice utilizado pelo IBGE para medir a taxa.
Segundo Johnatan Santana, coordenador de Planejamento da Secretaria de Planejamento e Orçamento (Seplan) da UFCG até março deste ano, os cortes têm afetado diretamente o funcionamento da universidade nos últimos anos. "Apesar de, nominalmente, parecer que não houve cortes ou até mesmo um aumento de recursos, a gente deve olhar para inflação. O que a gente tem, desde 2014, é um decréscimo no orçamento e que se acentuou até nos últimos 3 anos naqueles recursos para comprar equipamentos, construções, obras e entre outros", conta.
"A UFCG, em específico, tem sete campi e os recursos que chegam, às vezes, não dariam nem para manter os cursos oferecidos. O que tem acontecido nesses anos: os recursos para as universidades são bloqueados, a gente vai atrás para desbloquear e quando chegam são cortados e bem abaixo do previsto. Tivemos momentos críticos. Chegamos a ser ameaçados de parar de funcionar por falta de recursos. Em 2019, a UFCG quase chegou ao colapso com o bloqueio de orçamento pelo governo federal. Não dava nem para cumprir os contratos de água e luz na universidade", explica Johnatan.
De acordo com ele, a principal área afetada na universidade foi a de investimentos e infraestrutura. Reformas, ampliação e compra de equipamentos novos para o funcionamento dos cursos se tornaram uma tarefa difícil com as verbas destinadas pelo MEC à instituição. Tudo relacionado à infraestrutura ou avanço da UFCG em alguma área tem sido captado através de recursos extraordinários, principalmente, os que saem de emendas parlamentares por políticos do estado no Congresso. Em 2020, foram empenhados R$ 1.543.287,00 em emendas para a instituição paraibana.
Cortes na contramão do desenvolvimento
Cortes tão bruscos vão no caminho inverso do protagonismo que a UFCG deu ao interior paraibano. A universidade nasceu do desmembramento do campus II da UFPB, em 2002, sendo a segunda federal do interior do Nordeste, poucos meses depois da Universidade Federal do Vale do São Francisco (sendo esta a primeira também a abranger mais de um estado). Desde 1995, havia um documento emitido pelo ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba, o professor Neroaldo Pontes de Azevedo, argumentando que havia "maturidade" para o campus interiorano se tornar uma nova IES.
Maturidade foi uma palavra bem escolhida por aquele reitor. Quatro décadas antes, em 1957, Campina Grande já caminhava para ser um grande centro de pesquisa e tecnologia no Nordeste, com a implementação da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e da Técnica (FUNDACT), sendo precursora nas fundações de amparo à pesquisa no País. Ela deu origem à Escola Politécnica de Campina Grande e mais tarde ao campus da UFPB na cidade.
O impacto da Escola Politécnica foi tão grande que transformou a cidade em um grande polo de desenvolvimento tecnológico. Foi ali, em 1968, que foi construído o primeiro computador do Norte e Nordeste, um IBM 1130 do tipo mainframe. Ele é considerado o primeiro do tipo a ser instalado no Brasil. Em menos de uma década, um parque tecnológico foi construído em Campina Grande, sendo a pioneira do setor na região. Hoje, as empresas de tecnologia representam 20% das receitas da cidade paraibana.
Na década de 1970, a escola se transformou no campus da UFPB e, posteriormente, uma reitoria interiorana da universidade. Quando foi enviada a proposta de interiorização da UFCG, havia um espaço acadêmico muito consolidado, inclusive, com dois cursos de doutorado em engenharia e 10 cursos de mestrado. O doutorado em engenharia elétrica, desenvolvido na antiga Poli, é um dos três melhores do País, com nota 7 na Capes.
Além de todo um histórico de desenvolvimento, a implementação da Universidade Federal de Campina Grande, há 19 anos, possibilitou ainda que pessoas mais pobres, geralmente de zonas rurais e de áreas do semiárido, pudessem estudar e até fazer cursos de pós-graduação. Muitos desses programas de mestrado e doutorado, que chegam a 47, são destinados a desenvolver pesquisas que detectam desafios e vejam oportunidades nas áreas mais afastadas da capital da Paraíba, João Pessoa.
Colapso na pós-graduação...
Contudo, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) não considerou nenhum desses fenômenos quando cortou 40% das bolsas de mestrado da universidade no ano passado. Através da Portaria 34, a agência retirou 229 concessões para a UFCG em 2020. O cenário foi tão desolador que apenas o curso de mestrado em ciência política e o doutorado em engenharia civil e ambiental tiveram ganhos com a decisão. Até o curso de engenharia elétrica, com nota máxima, foi afetado, mas logo depois a gestão conseguiu recuperar da perda.
A Universidade Federal de Campina Grande foi penalizada porque a maioria dos programas são conceituados em 3 e 4 por serem muito recentes. Os mestrados em ciências florestais, física e história, e os doutorados em engenharia de processos e engenharia química ficaram sem nenhum repasse da Capes, fazendo a UFCG viver o pior momento na pesquisa em oito anos. A instituição caiu de 767, em 2015, para 285 bolsas concedidas pela Capes em 2021 - queda de quase um terço em seis anos.
O professor Benemar Alencar, que até recentemente ocupava o cargo de pró-reitor de pós-graduação, foi enfático sobre a decisão dos cortes na área para a instituição. "Não se faz pesquisa só com boa vontade. É preciso investimentos para que a gente cresça e desenvolva a ciência", disse em entrevista, antes de sair do cargo. "Foram cortes em pesquisas que ajudam diretamente a população, seja na forma de estudar e se adaptar ao semiárido, o saneamento e outras formas de energia", explica ele.
… E na iniciação científica
Se na etapa mais desenvolvida da ciência o cenário é de colapso, a iniciação científica segue no mesmo tom na UFCG. Em agosto de 2019, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) cortou 234 bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (IC&T), restando apenas 95 concessões para a universidade. Na época, a entidade ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações disse que não haveria recomposição no orçamento de 2019 e que a medida foi necessária para minimizar as consequências dele.
A Universidade Federal de Campina Grande chegou a aumentar em 31% os auxílios de IC&T para os estudantes com recursos próprios. Para este ano, há uma previsão de redução ainda maior no ministério que compreende o CNPq, com 34% em relação a 2020. Junto a Capes, a agência é uma das maiores fomentadoras da ciência brasileira.
Para Daiane Araújo, presidenta do DCE da UFCG, os cortes na iniciação científica têm um forte impacto para os alunos que estão começando a vida acadêmica. "Tem a PEC do teto de gastos já no governo Temer e os contingenciamentos no governo Bolsonaro, que implicam nas bolsas de assistência estudantil. Então, os estudantes passam a concorrer nas bolsas de mérito, de iniciação científica, porque elas não são apenas uma forma de incrementar o currículo, como também uma forma de se manter na universidade com aquele valor", comenta a estudante. A bolsa de IC tem o valor de R$ 400.
"A UFCG todos os campi são interiorizados. Muitos desses estudantes são da zona rural. Nesse período de pandemia, por exemplo, as dificuldades para se manter pesquisas à distância e ou se deslocar até o campus são muito grandes. Tem uma outra questão que é muito importante, também, é que muitos alunos não conseguiram entregar relatórios por essas questões citadas e um estudo sobre a relação entre iniciação científica e a manutenção dos estudantes na universidades seria interessante para sabermos o quantitativo", afirma Daiane Araújo.
Assistência estudantil em risco
Se as bolsas servem como manutenção dos discentes na universidade, a assistência estudantil deveria ser reforçada para atendê-los. Foi ela que manteve o estudante de engenharia Thiago Gomes no campus de Campina Grande. Vindo de uma família em que é o primeiro a alcançar a faculdade, ele não teria condições de estudar caso não lhes fossem garantidas moradia, refeição e uma manutenção na cidade, que fica a uma distância de 117 quilômetros de Limoeiro, onde residem seus familiares, no Agreste Pernambucano.
Quando a pandemia chegou ao interior da Paraíba, em março, a assistência foi ainda mais essencial. Com o fechamento da rodoviária de Campina Grande, estudantes de outras cidades ficaram literalmente presos no local. "Nós, que ficamos em Campina Grande, tivemos a garantia da moradia, porque moramos em apartamentos alugados. Toda a assistência foi prestada durante o período nesse sentido", afirma o estudante, que participa de grupos e discute as políticas estudantis junto ao diretório acadêmico da universidade.
Thiago ainda reitera que o início da pandemia foi dolorido para estudantes em campi de outras cidades. Como as residências estudantis ficavam dentro dos espaços universitários, elas foram fechadas e os alunos voltaram para suas casas, muitas vezes, sem o auxílio de um transporte. "Depois de muita mobilização dos estudantes, conseguimos que os editais de auxílio emergencial da pandemia fossem publicados e os chips de dados móveis entregues aos estudantes. Esses chegaram já chegaram atrasados por causa de embargos de entrega e os alunos tiveram que se virar para assistir aulas".
A professora Ana Célia Rodrigues, que ocupava o cargo de pró-reitora de assuntos comunitários, aponta que vários programas foram desenvolvidos pela UFCG para manter os estudantes durante o período da pandemia. "Cerca de 30% dos alunos dependem de algum tipo de auxílio da universidade apenas para se manter. Nós trabalhamos com o que recebemos de recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), mas apenas com eles não daríamos conta de atender a todos os alunos em situação de vulnerabilidade e, em meio à crise, realocamos alguns recursos para que pudéssemos atender a mais estudantes".
Todos os benefícios entregues pela universidade aos estudantes correm riscos de sofrerem mais cortes. A Andifes anunciou, no último dia 18 de março, que a Assistência Estudantil sofreu uma redução de R$ 20.509.063, além dos R$ 185 milhões cortados quando enviado o Projeto de Lei ao Congresso. "Segundo a Fonaprace, para atender os estudantes vulneráveis, os recursos do Pnaes (Plano Nacional de Assistência Estudantil) teriam de ser de R$ 1,5 bilhão. Já temos evasão porque o recurso é insuficiente. Com 20% a menos do Pnaes, o impacto na evasão é imediato", disse Edward Madureira, presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), em coletiva aos jornalistas.
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