Coluna assinada por Jefferson Sousa
Do pé de serra ao bregafunk, no sítio de uma cidadezinha sertaneja de Pernambuco ou em uma periferia da Região Metropolitana do Recife, há artistas populares produzindo intensamente, falando a língua do jovem ou a do já não mais tão jovem, mas sempre a do povo.
Como diria Nelson Rodrigues em um raro dia de pouca acidez, "toda coincidência é inteligente". A inteligência aqui é a de que o governo de Pernambuco só atrasa o pagamento dos cachês dos músicos populares do próprio Estado, mas paga à vista os externos. Outra curiosidade que pula aos olhos é o valor direcionado aos artistas "de fora" em comparação aos "de casa": com um cachê de um Wesley Safadão em baixa temporada, por exemplo, daria para contratar 22 shows do Shevchenko & Elloco e mais 18 do Santanna, O Cantador, nomes que geram facilmente um público notório.
Os mais inexperientes em produção e cena cultural que chegaram até esta leitura já devem está com a língua coçando para questionar: "Ué, e qual o problema de pagar assim por artistas de fora se eles geram um bom público?". A resposta, tão explicativa quanto um desenho, é a de que há artistas de Pernambuco que não foram pagos para que um valor exorbitante pudesse ser direcionado de imediato para empresas culturais que não vão gerar absolutamente nenhum retorno interno para o Estado após a sua apresentação. Se não bastasse a irresponsabilidade civil e jurídica, estes atrasos evidenciam o não reconhecimento profissional dos artistas da terra e suas cenas culturais.
Seguindo com o desenho bê-a-bá, MC Tocha foi o primeiro músico de brega-funk a se apresentar em um palco do Carnaval do Recife, em 2018, e foi também o que mais demorou para receber em outros eventos da Prefeitura do Recife no mesmo ano. Em 2016, os músicos Irah Caldeira e Maciel Melo denunciaram a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) por causa de cinco meses de pagamentos atrasados, entre eles, as das suas respectivas apresentações no Festival de Inverno de Garanhuns do ano anterior, que, na época, gerou uma bola de neve de denuncias que revelou mais 15 artistas na mesma situação.
Cara a cara
Isabelly Moreira, cordelista, produtora cultural e uma das integrantes do trio pé de serra As Severinas, no II Encontro de Arte e Cultura de Cidades do Pajeú, realizado no dia 14 de novembro de 2019, no Cais do Sertão, próximo ao Marco Zero do Recife, disse, “quando uma banda de pífano ou forró que geralmente cobra quinhentos reais por um show é chamada para tocar em um evento público, ela cobra sim cinco vezes mais, mas não para se aproveitar do órgão público, apenas por convicção de que só vai receber este dinheiro daqui dois ou quatro anos”, comentou, antes de finalizar com: “nós também temos conta para pagar.”
O diretor-presidente da Empresa Pernambucana de Turismo Governador Eduardo Campo (Empetur) e secretário de Turismo e Lazer de Pernambuco, Rodrigo Novaes, estava presente na colocação de Moreira, onde respondeu com as palavras, “nós damos ao povo o que eles querem, se eles querem Safadão, nós pagamos". As vaias que ecoaram o teatro do Cais do Sertão anunciavam mais do que uma indignação coletiva por uma frase absurda de um representante público, era um conjunto de conclusões que poderiam, neste texto, encaixar o principal nome da Empetur no perfil do leitor ficcional do início do nosso terceiro parágrafo.
Como não havia lápis e papeis no evento, Moreira usou o microfone para desenhar, "os maiores emprestadores de dinheiro do governo de Pernambuco são os artistas, mas não os dos grandes palcos, pois estes estão nas coberturas recebendo os seus cachês na hora da apresentação, são as bandas de pífanos ou grupos de coco que fizeram o seu serviço corretamente e não receberam por isso, mas este dinheiro existe e é deles."
O secretário foi embora antes do término do evento organizado pelo órgão que preside. Uma coincidência não inteligente - poxa, Nelson Rodrigues, foi por pouco. Para ele, assim como qualquer gestor desconecto com o meio gerido, é só sair e fechar a porta que os problemas ficam na sala deixada para trás, porém, para quem depende de uma condução administrativa minimamente efetiva para poder receber e continuar fazendo com que a cultura sobreviva, os problemas ainda continuam lá, ecoando com as vaias.
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