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Ranking, cuidados paliativos e fatos sociais: o que o escore do cremepe deixa nas entrelinhas?



Entrevista por Eduarda Nunes com Stella Maris, assistente social oncologista.

Na semana passada foi divulgada uma recomendação em que o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) elegia uma espécie de ranking para guiar os médicos na escolha dos pacientes vítimas do Coronavírus que vão ter acesso aos respiradores. O Escore Unificado para Priorização (EUP-UTI) teve repercussão nacional, provocando choque e reflexões sobre o ponto que a pandemia já chegou no estado.


Entrevistamos Stella Maris, assistente social oncologista e mestranda em saúde pública pela Fiocruz/PE. Ela nos trouxe um ponto de vista a partir dos Cuidados Paliativos, práticas que promovem bem estar para pacientes em estado terminal, e falou também sobre fatores sociais aplicados à área da saúde. Confira:


Como você recebeu as notícias sobre o Escore Unificado para Priorização (EUP-UTI) do Cremepe?


Soube da EUP-UTI através das redes sociais e fiquei chocada. Chocada porque, num sistema de saúde público e universal como o nosso, ser recomendado por um órgão tão importante como o Cremepe restringir o acesso da população mais vulnerabilizada à saúde é extremamente perverso. Não se tem uma exigência ao Estado para ampliar e qualificar os serviços e atendimentos de saúde. O Cremepe, assim como outras instituições com grande influência social e econômica, poderia demandar a anulação da EC 95/2016, que congela os investimentos na saúde e na educação por 20 anos, por exemplo. De acordo com a EUP-UTI, deve-se priorizar as vidas que terão mais chances de serem "salvas" e serem vividas com qualidade. Daí eu pergunto: quem tem melhores condições de vida e maior acesso às políticas públicas e sociais? Aqueles indivíduos com maior poder aquisitivo, que em sua maioria são brancos. Em outras palavras, além de o Estado negar e violar historicamente os direitos da população negra, de mulheres, pessoas com deficiência, dentre outros grupos, essa recomendação reafirma ainda mais esse genocídio a partir do momento que decide não reparar minimamente os danos causados à saúde destas pessoas.


Em uma das considerações do documento de recomendação do Conselho, as câmaras técnicas dos Cuidados Paliativos e da Oncologia são citados. Quais as diretrizes principais que guiam essas áreas e o que há de preocupante nesse “remodelo” para a ação frente à pandemia do Coronavírus?

A Oncologia e os Cuidados Paliativos(CP) representam áreas extremamente importantes na saúde, uma vez que o câncer é a segunda maior causa de mortalidade no país, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS); e que os CPs lidam com pessoas com câncer, mas também com outras doenças que ameacem a continuidade da vida do paciente. Por exemplo, hipertensos e diabéticos estão em cuidados paliativos, pois são doenças crônicas que podem levar à morte, caso o tratamento recomendado não seja seguido.

Essas áreas pregam, acima de tudo, a manutenção e a recuperação da qualidade de vida do indivíduo. A cura é almejada e buscada, mas quando não é possível devido ao avanço da doença, o cuidado é o mais importante. Curar quando der, cuidar sempre. E neste cuidado está inclusa a não submissão dos pacientes a tratamentos invasivos que forem prejudiciais ao seu bem-estar e não lhe trouxer ganhos clínicos significativos. Também busca-se sempre ouvir o paciente, o que ele quer, como ele se sente, o que deseja fazer com seu corpo, se quer ou não realizar o tratamento indicado. A autonomia do sujeito é colocada em primeiro lugar, e este decide em conjunto com a equipe multiprofissional qual o melhor caminho e o mais benéfico. Acredito que o preocupante nesse caso seja essa mudança do que é prioridade: o foco vai para a doença e não para o doente.

Acaba trazendo novamente uma visão conservadora e preocupante

que historicamente faz parte da saúde brasileira em meio à sociedade capitalista. Os valores são invertidos. Você é o que você tem, não o que você é. Ou seja, ao meu ver, os princípios defendidos pelos Cuidados Paliativos estão sendo atacados e desrespeitados com essa recomendação.


Enquanto profissional de Cuidados Paliativos, como seria o procedimento mais adequado pro momento na sua opinião? Considerando que Pernambuco é um dos estados em que o vírus tem sido mais letal.

Acredito que o procedimento mais adequado pro momento seja incentivar a conscientização sanitária e coletiva da população para que seja exigido maior investimento do Poder Público na política pública de saúde do nosso país. A saúde já estava em colapso há muito tempo, tendo em vista que desde o nascimento do SUS, bombardeios de cortes nos gastos não paravam e não param de chegar, o que desestabiliza e não efetiva de fato uma saúde pública de qualidade e universal. O que a pandemia do novo Coronavírus fez foi trazer todas essas ofensivas neoliberais à tona, mostrando as desigualdades regionais no acesso à saúde e a outras políticas, a crescente concentração e acumulação de riquezas pelo Capital, corroborando para uma maior pauperização da sociedade.


Paliativos vem de "palium", que significa manto, proteção, cuidado. O que é posto como prioridade não é a figura do profissional de saúde, seja ele qual for, mas sim o que é melhor para O PACIENTE. A partir do momento que o médico escolhe quem vive e quem morre, ele está pondo em prática (agora com apoio legal), ou seja, personificando o genocídio do Estado brasileiro contra a classe mais pauperizada, que em sua maioria é composta por negros e mulheres.


Sim, é importante avaliar o que realmente é válido para a recuperação daquela pessoa que procura no serviço de saúde a salvação para suas feridas, suas dores, suas doenças. Mas esta avaliação deve ser feita com base nos princípios basilares do SUS (universalidade, equidade e integralidade).

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